Crianças e jovem sob médico de ‘esquema’ morrem; Ney não cumpre promessa

Especial para o VERBO ONLINE

Victória, 13, morreu após atendida na UPA por médico de 'esquema' anunciado como concursado; Ana Clara, 1, faleceu após médico sugerir 'refri' | Divulgação

ALCEU LIMA
Especial para o VERBO ONLINE, em Embu das Artes

O prefeito e candidato à reeleição Ney Santos (Republicanos) prometeu na campanha em 2016, ao distribuir à população o plano de governo (uma revista) com dez compromissos para realizar no mandato de 2017 a 2020, a “contratação imediata de médicos e humanização do atendimento nas unidades de saúde”. Passados quase quatro anos do governo Ney, a saúde de Embu das Artes é a área mais caótica sob a atual gestão e tem quadro dramático.

Embu pede “socorro” pela deficiência generalizada no atendimento e por cerca de dez mortes de pacientes, pelo menos, sob negligência médica, além de “esquemas” que fazem os serviços agonizarem. Ao assumir a prefeitura, apenas em fevereiro de 2017, após ficar foragido da Justiça, réu por delitos como associação ao crime organizado, Ney trocou a gestora das unidades de emergência na gestão Chico Brito (PSD) pela organização privada Edusa.

Já em julho de 2017, Embu teve a primeira morte por negligência que veio a público. A maternidade municipal fez o parto de uma adolescente de 17 anos depois do tempo devido e teve de transferir o bebê para o Hospital Geral do Pirajuçara em estado gravíssimo. O recém-nascido morreu 23 dias depois. A gestão Ney negou falha. O diagnóstico, porém, não deixou dúvida: “asfixia grave ao nascer”. “Me ajudem a fazer justiça”, clamou a avó Sandra de Souza.

Em agosto de 2018, a secretária-adjunta Maria Serrano (Saúde) foi alvo de denúncia de que teria trazido para Embu cerca de 15 médicos, a maioria estrangeiros, para atuar sob contrato de emergência. Em troca da permissão de clinicar na rede municipal, ela receberia dos profissionais aliciados pelo menos R$ 1 mil por mês e cesta básica, em esquema de corrupção para auferir mais recursos públicos e ter os médicos à disposição para “seus serviços”.

Serrano alteraria as folhas de ponto dos médicos para constar que trabalhavam 200 horas semanais, quando na realidade trabalhavam apenas 40. Os valores da diferença seriam repassados a Serrano. Vanessa Silva, secretária de Ney e hoje candidata a vereadora, e Thamires de Souza May, secretária na pasta e “amiga” da adjunta, também receberiam o dinheiro. Um dos médicos que integrariam o esquema seria o boliviano Waldo Adriel Muriel Claire.

O VERBO passa, então, a chamar a atenção do leitor para um fato revelador do caos na saúde de Embu – e assustador. Em julho do ano passado, Ney fez uma “live” para recepcionar, no gabinete de prefeito, novos médicos contratados para o município, por concurso – cumpriria a promessa de campanha. Anunciou 60, mas na verdade eram 48 médicos. Ele se gabou: “Com a crise no país, para chamar novos profissionais tem que ter coragem”.

Ney ainda falou “grosso” e disse que ia punir maus médicos. “Vamos processo administrativo […]. Não vamos admitir mais que profissionais venham atender a nossa população como se estivesse atendendo qualquer um. Vamos cobrar e fazer uma fiscalização rigorosa para que a saúde de Embu seja referencial em toda a nossa região”, afirmou, na presença dos médicos. Entre eles, Waldo – um dos denunciados no esquema “virou” concursado.

Um médico efetivado sob suspeita de fraude representaria um risco à saúde dos pacientes. Não deu outra. Exatos quatro meses depois da apresentação dos profissionais, Victória Kamily Vieira Souza, de apenas 13 anos, morreu no dia 10 de novembro de 2018 depois de passar em consulta na UPA Santo Eduardo com Waldo, por duas vezes. Ela tinha apenas bronquite, mas após medicamento prescrito na unidade teve parada cardíaca, aponta a família.

Como Victória chegou a ser levada ao Hospital Pirajuçara, Ney procurou culpar o HGP. “Ela saiu da UPA viva, né? […] Ela faleceu no Hospital Geral”, disse. Mas afirmou ter aberto sindicância sobre o médico. Quase dois anos depois, os parentes da menina, inconsoláveis, não tiveram nenhuma resposta. “A família não quer falar mais sobre isso. Minha irmã, meu pai ainda sofrem muito quando se toca no assunto”, disse Fábio Santos, tio de Victória, ao VERBO.

Entre outras mortes sob negligência, a doméstica Valdinete Pereira, 49, morreu no dia 19 de janeiro deste ano após também ter reações a medicamentos prescritos na UPA, já sob gestão de outra empresa, a AMG, a atual contratada por Ney. O parente Aloísio Santos desabafou sobre a “calamidade pública” em Embu. “Não vá lá [na UPA]. Se for, às vezes não volta para casa, […] já perdi um sobrinho, uns quatro amigos, e hoje a minha inquilina e prima”, disse.

Outro caso que gerou revolta foi o óbito de uma criança de 1 ano e 3 meses, desta vez no Pronto-Socorro Central, sob gestão da AMG, em 16 de setembro do ano passado. Ana Clara, com muito vômito, morreu após ser atendida por um médico, Elias Federico Valverde Claros, que não passou nenhuma medicação no PS nem pediu exame e sugeriu dar em casa à bebê refrigerante para hidratar. Ney foi à casa da família para oferecer “apoio”, até jurídico.

Após denúncia dos vereadores André Maestri (Podemos) e Edvânio Mendes (PDT), de que Claros não seria pediatra, a mãe responsabilizou Ney pela morte de Ana Clara. “Como um ginecologista atende uma criança se passando por pediatra [?] Que melhoria você quer dar pra comunidade, seu prefeito lixo”, postou Rayane Gomes, 18. Indagada neste mês sobre a promessa de apoio de Ney, Rayane, triste, disse: “Nem falaram mais nada. Nunca nem vi mais”.

Nem a demanda por atenção básica, para evitar a procura por pronto-socorro, é atendida no município. Há 20 dias, no dia 29 de setembro, a reportagem esteve na UBS Jardim São Luís e perguntou se a unidade estava marcando consulta para clínico-geral e ginecologista. A funcionária da recepção respondeu: “Ainda não. Não temos médico. Está sem médico. Só temos [profissionais] da Unicid, que ‘é’ estudante, e temos para passar com enfermeira”.

Na própria “live” de apresentação dos médicos, moradores reclamaram da saúde precária do município. “Espero que mandem algum aqui para a UBS do Ângela. Só por Deus!”, disse Valquiria Adriana, um dos que protestaram. O VERBO falou agora com Valquiria. Nada mudou. “Tem uns quatro meses que não consigo marcar uma consulta. Eles falaram que não tem previsão de quando vão atender”, disse. Tragicamente, Ney não cumpriu a promessa.

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